sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Esquadrão Suicida -- Um flerte com a ruína (crítica SEM SPOILERS)

Não há dúvida que ESQUADRÃO SUICIDA era um dos filmes mais esperados de 2016, até porque o marketing da Warner foi maciço. Reconhecer que o filme é muito fraco é uma verdade inconveniente - parafraseando Al Gore -, dolorosa... porém, verdadeira. A decepção é gigantesca, visto que a expectativa era alta. Contudo, nem tudo que está lá é ruim - quase tudo, é verdade, mas não tudo. Pertence ao subgênero "filme de super-herói", e, mesmo frágil, não vence outros como "Quarteto Fantástico" (o mais recente) e "Demolidor". E mais: apesar de muito falho, consegue, minimamente, divertir o espectador comum - "espectador comum" deve ser entendido como aquele que não exige muito de um filme cuja pretensão é o entretenimento, em especial para os fãs de HQs. Isto é, a título de entretenimento fútil, o filme serve, nada acrescentando, todavia, a título cultural e/ou artístico. Não cabe ao crítico de cinema indicar se determinado filme deve ou não ser visto, pois mesmo os piores filmes têm algo a acrescentar - mesmo que seja um elemento que não deve ser inserido em filmes. Assim, o espectador que deseja deve sim ir ao cinema e tirar as próprias conclusões. Pode até mesmo gostar desta película: o ditado já diz que "gosto não se discute". Entretanto, gosto e qualidade não se confundem na sétima arte, logo, o fato de o público gostar não é incompatível com a má qualidade de uma película. O leitor tem direito de gostar de ES. Isso não o impede de admitir suas falhas grotescas.

A proposta inicial era de um filme subversivo, revolucionário. É evidente que o intento falhou homericamente. Aparentemente, o produto final era distinto, sendo alterado forçosa e artificialmente - e às pressas -, resultando em um longa infiel tanto à proposta original quanto às novas ideias. O que circula como boato (até porque a Warner jamais admitiria) é que a intenção do diretor David Ayer era em um sentido, mais sisudo e sombrio (no estilo Zack Snyder), intenção esta que foi concretizada em um longa-metragem (que seria a versão do diretor). Porém, após o sucesso de "Deadpool" com seu deboche e humor intenso, unido às reprovações de "Batman vs. Superman: a Origem da Justiça", os executivos da Warner ordenaram uma modificação, abrandando tudo o que foi feito mediante a inserção de humor e mesmo leveza na narrativa. A contragosto (a decisão veio "de cima"), Ayer refez parte do seu filme, inclusive regravando algumas cenas, diferentes do plano original. Foi feita uma montagem nova, em cima de uma montagem já feita. É como se a lasanha estivesse pronta, e a ordem fosse retirar alguns ingredientes para colocar outros. Claro, não daria certo. Talvez a ideia inicial fosse boa. Não importa: o que importa é o que foi visto no cinema, que é muito fraco.

O argumento, baseado nas HQs, é muito bom: uma agente do governo decide reunir criminosos presos que possuem habilidades especiais para que trabalhem em tarefas difíceis, talvez impossíveis (daí o nome "Esquadrão Suicida"), em troca de atenuantes na pena que lhes foi aplicada. No caso do filme, o plot é conectado aos acontecimentos de "Batman vs. Superman", e a agente do governo menciona o quanto o Homem de Aço modificou o entendimento de todos sobre a realidade. Aliás, para a humanidade não se tornar refém de um alienígena, veio a ideia de criar o time, desde que este jogasse em favor dos interesses governamentais, devendo ser submisso. A agente do governo é Amanda Waller, em interpretação magistral de Viola Davis (dois elogios em um só parágrafo!). A fidelidade à concepção original da personagem auxilia, além da sua relevância na narrativa, mas o talento de Davis é inegável. Waller é o fio condutor narrativo, cabe a ela apresentar, no Pentágono, a sua proposta, introduzindo cada um dos membros do Esquadrão, o que foi feito mediante a inserção de flashbacks. É ela quem menciona o arco dramático pessoal de Pistoleiro, por exemplo - um dos poucos que tem alguma verticalização. Waller é determinada, fria e calculista, enxergando todos ao seu redor como instrumentos para atingir seus fins (ou possíveis aliados úteis). Exatamente como nos quadrinhos. Davis é provavelmente uma das melhores atrizes da atualidade (seu trabalho em "Dúvida" não deixa dúvidas), conseguindo conduzir o papel com facilidade - basta olhar para o sorriso mórbido quando Pistoleiro acerta os alvos.

Apesar de tais virtudes, em especial o argumento promissor, o roteiro acaba sendo deveras frágil. A responsabilidade é do também diretor David Ayer. Tendo em vista que o vilão é entregue já no início, e sua ideação é pavorosa, o prejuízo já é enorme, pois dificilmente um filme de super-heróis se sustenta sem um bom vilão. Poderia ser feito suspense sobre quem seria enfrentado, mas não, a preferência foi por apresentar no primeiro ato, sem muita demora. O plano maléfico é despido de criatividade, chega a ser risível. A formação do lado antagonista também é esquisita, não ficando claro, por exemplo, o modus operandi. Em verdade, a construção do antagonismo é fatal, pois rocambolesco se for dada atenção ao fato que nada teria ocorrido se Waller tivesse ouvido um não. Aliás, qual a razão da demora do vilão? Ele queria esperar o grupo se preparar para enfrentá-lo? São incontáveis as "pontas soltas", podendo-se questionar vários eventos presentes na trama, que são ora inexplicáveis (ou simplesmente não explicados de forma decente, como o coração de Magia), ora incoerentes. A própria missão é obscura, parece que o roteiro é um mero pretexto para reunir icônicas personagens, como se formar personalidades e formar uma boa narrativa fosse despiciendo. Até mesmo o terceiro ato é uma tragédia: inverossímil, conta com um deus ex machina que evidentemente não é explicado e com um desfecho que não surpreende. Mesmo quando o plot parece tentar mostrar profundidade, acaba ficando na superfície: a amizade entre dois dos integrantes não se desenvolve, e a metáfora sobre a marginalização dos criminosos se resume a duas frases de Arlequina ("o que o mundo fez por nós? Ele nos odeia!").

Coube ao roteiro a construção das personagens, não sendo falso afirmar que existem alguns acertos na área. Isto é, há personagens cuja personalidade recebe alguma atenção - ao menos no que se refere aos que são diretamente envolvidos com o Esquadrão, integrantes ou não. Cinco personagens são mal desenvolvidos: Capitão Bumerangue, Crocodilo, Tenente Edwards, Katana e Dra. (?) June Moone. Jai Courtnei acabou com franquias clássicas que já deveriam ter acabado - "Duro de Matar" e "O Exterminador do Futuro" -, embora a culpa não seja (só) dele. Ele não atua mal como Capitão Bumerangue (mas também não atua bem), o problema é que a personagem é completamente descartável, basta imaginar o filme como se o Capitão não existisse: o resultado final seria um filme mais curto com exatamente a mesma narrativa. Facilmente, o pior papel. Ele não faz diferença nenhuma, estando lá para fazer número - e suas piadas não dão certo. Já o Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje) tem relevância como engrenagem narrativa (totalmente diferente do anterior), em especial no terceiro ato, contudo, seu arco dramático é zero - assim como o do Tenente Edwards (Scott Eastwood), o que até faz sentido, não fosse o ator alguém que já foi protagonista em um filme também fraquíssimo e que recusou um importante papel no filme-solo da Mulher Maravilha. Quanto à Katana (Karen Fukuhara), é triste ver uma personagem que tem um drama pessoal bem cativante (que é mencionado rapidamente) caindo de paraquedas como guarda-costas de um militar numa empreitada suicida (por que ela está lá? O que ela ganha?). Cara Delevingne é uma modelo que foi iludida com a farsa de que poderia ser boa atriz e agora se dedica ao cinema, inclusive com papéis de destaque que ela acaba estragando. Em ES, ela finge que interpreta duas personagens, a arqueóloga June Moone e a entidade Magia, que a possui quando invocada. Em síntese, tanta é a importância de Magia que June tem personalidade nula, reduzida a um romance criado para justificar algumas amarras narrativas. Diversamente, Magia é uma das seis personagens das quais é possível extrair alguma virtude (ou algum mínimo grau de razoabilidade), apesar dos vários defeitos: Amanda Waller, Rick Flag, Magia, El Diablo, Arlequina e Pistoleiro. A já mencionada Viola Davis é novamente artisticamente deslumbrante - sem contar que Amanda Waller é mola propulsora do roteiro. O próprio Rick Flag de Joel Kinnaman é competente como militar submetido a ordens superiores cujo raciocínio é movido pelo alcance da eficiência tática, sem desprezar motivos pessoais. Não que Kinnaman seja um primor, todavia, o enfrentamento dos subordinados é convincente. Ele está na razoabilidade, não na virtude. Magia merece algumas palavras não pela atuação de Cara Delevingne, que é sempre péssima, mas pelo aparato que a cerca, efeitos coerentes em relação à proposta. Ok, ela também prejudica bastante o terceiro ato... mas a culpa é mais da condução da personagem, não da concepção. El Diablo é uma grata surpresa, não apenas pelo bom trabalho de Jay Hernandez, mas porque um dos poucos flashbacks realmente úteis é para apresentar seu trauma pessoal. Mais uma vez, no terceiro ato há um grave equívoco no roteiro, que deixa de explicar o que ocorre... mas, como dito, é possível extrair alguma virtude. Sim, Arlequina e Pistoleiro claramente recebem os holofotes muito mais que os outros, inclusive em detrimento deles, merecendo um parágrafo à parte. Isso é normal em filmes com muitas personagens, inclusive em filmes da Marvel, pois é muito difícil dar atenção a todos.

Arlequina é quase um acerto. Margot Robbie atua muito bem, sabendo os limites em que pode transitar. Sua personagem é sensual, não devendo exagerar - duas cenas são um pouco mais apelativas, mas nada absurdo, ao revés, coerente com o lado sexy que ela possui. Sua instabilidade psicológica é charmosa, porém, acaba sendo repetitiva e cansando - o problema, mais uma vez, é do roteiro, e não da atriz. Fica claro que a Arlequina é louca em razão de abusos praticados pelo Coringa (a cena sádica é tão efêmera que decepciona), sendo dispensável repetir tantas vezes, como se o espectador tivesse um défice que impedisse compreender tal faceta. De todo modo, a construção de Arlequina é uma das melhores, havendo até mesmo suspiros de fanservice com momentos como a roupa rubro-negra que remete a um jogo de cartas e o apelido carinhoso referente ao seu amado. A insistência incomoda, mas o carisma da atriz (potencializado por sua beleza inconteste) compensa. Por sua vez, Will Smith faz um esforço hercúleo para melhorar os traços concedidos ao Pistoleiro. O equívoco maior é que ele é muito mais mocinho que vilão, inclusive para além dos seus próprios interesses - nessa área, é explorado um leve arco dramático, que, todavia, segue lacunoso com uma esposa praticamente fantasma. Algumas piadas não dão certo, mas Smith obra de forma competente no que lhe coube.

E o Coringa? Como se sabe, ele não faz parte do Esquadrão, estando lá pela conexão íntima com a Arlequina (aparecendo em flashbacks, em especial). Coube a Jared Leto a difícil tarefa de "substituir" Heath Ledger como Joker. A versão mafiosa do Coringa tem algum potencial, mas a aparição do Coringa de Leto é tão superficial, esparsa e temporalmente reduzida que é artisticamente desonesto comparar seu trabalho com os antecessores, como Ledger. Afinal, enquanto o saudoso Ledger teve um filme inteiro, um roteiro que o contemplava como vilão principal e uma verticalização, a Leto foram renegados poucos minutos sem conexão. Desta vez, não se sabe que tipo de Joker está lá, sendo fato conhecida, apenas, reitera-se, sua relação com a Arlequina. Se nem o ator conhece a personalidade, como pode fazer um bom trabalho? Jared Leto é reconhecidamente um profissional de qualidade (já há tempos, como em "Réquiem para um Sonho"), razão pela qual merece um voto de confiança e de aguardo.

Sobre David Ayer não foi bem no roteiro, pode-se dizer que sua direção é péssima. Questionar se ele é pior como roteirista ou como diretor é uma pergunta ingrata, quase retórica. A falta de nitidez da batalha final é exemplo da imperícia no trabalho, embora a primeira cena de batalha seja decente, com os recursos básicos como CGI, slow motion e cortes rápidos - o que até Michael Bay conhece. No entanto, o que Ayer faz é tão fajuto que não há nenhuma cena marcante - as melhores estão no trailer, ainda que ausentes no filme (o que ainda será explicado*). É normal filmes de heróis terem cenas que mereçam menção, mas não ES, que é descartável como um todo. A cena da primeira transformação de June Moone em Magia é criativa, mas não chega a impressionar. Ainda nos elementos técnicos, a montagem é absurdamente caótica, fazendo o filme parecer um longa amador com cenas desconexas e quase aleatórias. Exemplo mais claro é o uso excessivo de flashbacks, a maioria deles dispensáveis, como a cena de Arlequina e Coringa em um tanque (cena bonita, mas sem motivo algum para estar lá) e a cena com a breve aparição do rapper/ator Common. Isso prevalece na película inteira, há um ritmo frenético que torna tudo superficial é demasiado confuso, o que incomodaria ao nível insuportável, não fosse a fragilidade da trama, que prevalece. É na mesma linha de pensamento a aplicação da trilha sonora, que até tem músicas boas, mas escolhidas de forma completamente aleatória, sem nexo com as cenas em que está, e usada de forma constante. O que parece é que o filme é acessório, sendo principal a música que toca, e não o contrário. Isto é, a trilha sonora é cansativa, e, apesar de as músicas serem boas, não fazem sentido naquele universo. Para não dizer que não há nada positivo do ponto de vista essencialmente técnico, a maquiagem é boa, em especial no casal palhaço e no Crocodilo.

ESQUADRÃO SUICIDA é um filme decepcionante, em especial pela expectativa gerada. Talvez a Warner tenha forçado um Frankenstein, mas fato é que o que chegou aos cinemas é, no mínimo, fraquíssimo. É sim possível pescar um ou outro elemento positivo, mas, em visão macro, o longa é insustentável. Não obstante, é importante reiterar que ele consegue divertir por cenas ou momentos pontuais, em especial para quem sente maior apreço pelo universo DC, representando algum entretenimento não completamente inútil. Em termos cinematográficos, porém, tenta ser um manual do que não deve ser feito. Um verdadeiro flerte com a ruína dos planos do estúdio.

P.S.: para quem não viu, recomendo aguardar um pouco para assistir a uma (única) cena pós-créditos, que é importante.
P.S.2: "o que ainda será explicado*". O que deixa clara a mudança é o fato de haver cenas presentes nos trailers e ausentes no filme. Exemplo: Arlequina oferecendo um drinque para El Diablo, que pede água (e vem uma piada logo após).
P.S.3: o 3D do filme é desnecessário, serve apenas para encarecer o ingresso.

P.S.4: a Warner precisa aprender, de uma vez com todas, a não entregar tudo nos trailers. Com o perdão do trocadilho, é um suicídio!

Um comentário:

  1. Em suma, adorei o filme que não conheço porque o criticaram tanto, não tem a melhor história, mas é muito divertido! Quando vi o elenco de Suicide Squad imaginei que seria um grande filme, li que o diretor é David Ayer, um dos mais talentosos de Hollywood. O filme superou as minhas expectativas, realmente o recomendo.

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