quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Até o Último Homem -- A ressurreição de um diretor

Mel Gibson já se consagrou há alguns anos, primeiro, como ator, depois, como diretor. Seu trabalho na arte dificilmente é valorado de forma negativa, pois ele é bom no que faz. O mesmo não ocorre quanto à sua vida pessoal, envolta em polêmicas. Em tese, isso não afetaria o seu cinema, contudo, a indústria hollywoodiana reprovou duramente suas atitudes, o que o afastou dos holofotes. Com ATÉ O ÚLTIMO HOMEM, Gibson retoma a boa forma após dez anos (o último como diretor tinha sido "Apocalypto", em 2006).

O filme conta a história real de Desmond Doss (Andrew Garfield), primeiro objetor de consciência condecorado com a Medalha de Honra do Congresso. Adventista do Sétimo Dia, Doss desejava se alistar considerando a si mesmo como um "cooperador de consciência", pois se recusava a tocar em armas, embora ajudasse muito seus colegas do Exército. Inicialmente, enfrentou dificuldades enormes, quase intransponíveis: em razão da sua forte crença e da recusa a pegar uma arma de fogo, foi grande a discriminação sofrida. Sua ideia era trabalhar como médico, salvando vidas, mas poucos conseguiam compreender o objetivo altruísta de Doss.

É fácil perceber que o herói era um romântico, um idealista cuja crença criou obstáculos para conquistar seus objetivos. Diferentemente dos demais jovens, como seu irmão Hal (Nathaniel Buzolic), o que Doss desejava era salvar seus companheiros de Exército - e não matar japoneses. Aliás, o nome original, "Hacksaw Ridge", isto é, "Cordilheira Hacksaw", localizada em Okinawa, é muito mais adequado - como de costume, o nome original é melhor, vez que é esse o local onde ocorre boa parte do longa. O protagonista apenas não estudou medicina por falta de oportunidade de estudo, pois já demonstrava interesse (inclusive em momentos inapropriados, como um encontro romântico). Com três atos bem delineados, o roteiro tem como mote a tolerância à fé alheia: em razão da religião a que se filiava, Desmond sofria discriminação pelos membros do Exército, inclusive os de alta patente, que não conseguiam entender e respeitar a recusa ao manejo de armas. Pode parecer estranho, afinal, é uma decisão pessoal de ser ainda mais vulnerável (por não ter um meio de defesa), todavia, para todos que o cercavam, era inaceitável.

O elenco de coadjuvantes é modesto, salvo por dois nomes, os mais conhecidos. Teresa Palmer, Sam Worthington e Luke Bracey já são nomes notórios de pessoas que participam de filmes, não verdadeiros atores. São indivíduos que Hollywood força o estrelato, mas que ainda não demonstraram nível algum de capacidade interpretativa. Ou seja, a regra da beleza prevalece sobre a da competência nesse caso. O mesmo não ocorre com Vince Vaughn e Hugo Weaving, de competência já reconhecida: Vaughn aproveita seu talento para a comédia para render ótimos momentos cômicos no segundo ato, realmente divertido como um sargento cujo prazer sádico é humilhar os recrutas (figura clichê, mas sempre engraçada, se bem personificada); Weaving é eterno coadjuvante de luxo, cuja habilidade interpretativa é inquestionável. Porém, quem brilha mesmo é Andrew Garfield, indicado ao Oscar com justiça (não deve ganhar, pois existem trabalhos melhores, como o de Denzel Washington em "Um Limite Entre Nós"). Garfield dá um enorme passo de um Homem-Aranha controverso para um papel maduro e complexo, com camadas densas e idiossincrasias de uma pessoa extraordinária. No início, um bobo apaixonado; no meio, um religioso fiel; no fim, um militar determinado.

Por sua vez, a direção de Mel Gibson tem tudo que ele coloca em seus filmes - são vários os elementos característicos da sua direção autoral. O prólogo ocorre em meio à guerra, com slow motion como aperitivo para o que se segue, um enorme flashback de dezesseis anos. Gibson deixa viva a sua câmera, com enquadramentos muito bem planejados - e difíceis, como os das cenas de guerra -, numa decupagem certamente difícil. Apesar de não dividir sua obra em capítulos, é facilmente visível a evolução da trama, mudando o tom a depender do momento: a fase de interesse amoroso e de alistamento militar (no início) são mais leves e cômicos, depois, o filme se torna cada vez mais sério até atingir o ápice na guerra. Apenas um bom diretor como Mel Gibson é capaz de injetar tanto realismo nas impactantes cenas de batalha. Neste terceiro ato, o trabalho sonoro é desenvolvido com afinco, numa primorosa edição de som (sons de explosões) e não menos excelente mixagem de som (que consegue tornar perceptíveis sons de passos, bombas e a trilha sonora no mesmo instante). Seguindo George Miller na opção de evitar CGI e priorizar efeitos especiais (físicos, reais), as explosões são reais (daí porque "efeitos especiais") e não chroma key (aprende, Michael Bay!). Isso não significa que não há CGI algum, vez que até mesmo "Mad Max: Estrada da Fúria" aproveita a tecnologia em seu favor. Uma coisa é usar computação gráfica para embelezar o visual, outra, completamente distinta, é fazer tudo por computador. Sem contar que Miller e Gibson colocam as explosões dentro de um contexto lógico, contribuindo para a narrativa, enquanto outros diretores, como Bay, aparentam ter algum fetiche por pirotecnia sem propósito.

Nesse sentido, drama, fé e violência, marcas registradas de Mel Gibson, estão em peso. No primeiro ato, prevalece o drama, como na delicada cena da briga de Desmond com o irmão Hal, ainda crianças. A pieguice também é indispensável, representada em um quase pedido de desculpas de um bullie. A violência é mais maciça no terceiro ato, com direito a tudo que se imagina que um cenário de guerra tem: sangue jorrando, corpos desmembrados, membros amputados, buracos de balas e assim por diante. Como de costume, Gibson não tem timidez alguma para exibir o realismo que a cena exige (não necessariamente guerra, pois foi assim também em "A Paixão de Cristo"), o que pode desagradar pessoas mais sensíveis. O final tem falas do verdadeiro Doss, hoje já falecido, corroborando com o realismo mencionado.

A fórmula utilizada pode ser simples, mas é bastante eficaz e agora representa uma retomada da própria carreira. A vida pessoal de Mel Gibson é polêmica, suas falas são censuráveis muitas vezes, contudo, é fato que, profissionalmente, ele é um dos bons diretores em atividade. Se os cinemas tiverem sorte, agora ele dará seguimento à profícua carreira.

Um comentário:

  1. Mel Gibson fez um ótimo trabalho como diretor. É interessante ver um filme que está baseado em fatos reais, acho que são as melhores historias, porque não necessita da ficção para fazer uma boa produção. Gostei muito de Até O Último Homem, não conhecia a história e realmente gostei. Na minha opinião foi um dos mehores filmes de drama que foi lançado. O filme superou as minhas expectativas, o ritmo da historia nos captura a todo o momento. Vi este filme por que amo aos atores que participam nele. Eu sem dúvida verei novamente.

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