segunda-feira, 1 de maio de 2017

Guardiões da Galáxia Vol. 2 -- Enlatados serão sempre enlatados

A síndrome do segundo filme acomete mais uma vítima. Desta vez, outro filme de heróis, o diferente pero no mucho GUARDIÕES DA GALÁXIA VOL. 2 (o nome é uma autorreferência, em relação ao segundo volume das fitas cassetes do protagonista Star Lord). Sem delongas, uma síntese da representatividade cinematográfica do longa: mais um enlatado pouco criativo, ainda que bem executado, e que em (praticamente) nada agrega em termos artístico-culturais. Palavras duras, porém, verdadeiras - e que também não ignoram o seguinte fato: como entretenimento oco, serve. Tal qual um enlatado, cujo conteúdo, depois de exaurido, deixa a embalagem completamente vazia. De forma ainda mais sintética: diversão efêmera, descompromissada e para públicos de todas as idades.


Depois dos eventos do primeiro filme, os Guardiões da Galáxia Peter Quill/Star Lord (Chris Pratt), Gamora (Zoe Saldana), Drax (Dave Bautista), Rocket (voz de Bradley Cooper) e Baby Groot (voz de Vin Diesel), agora são reconhecidos e contratados como tais. Porém, nem tudo ocorre como gostariam e fazem novos inimigos, enquanto encontram Ego (Kurt Russell), um Celestial (planeta vivo) que se anuncia como pai de Peter.

Desta vez, o roteiro aposta mais na origem de Peter, o que dá certo, pois Ego é fascinante como personagem. Ele tem motivações bem delineadas e Kurt Russell é bom ator, dando conta do papel com facilidade. Ademais, o equívoco do acréscimo excessivamente rápido das camadas da personagem é responsabilidade do roteiro e não do ator - um plot twist previsível e necessário para um filme de heróis. Nesse quesito, embora se trate de um filme de (super-)heróis, os Guardiões continuam funcionando mais como anti-heróis com seus desvios de caráter como lapsos. É verdade que seus erros - do ponto de vista moral - são diminutos, mas continuam se fazendo presentes, o que é importante, pois Star Lord não é o Capitão América e Rocket não é o Visão. Por tal razão, Peter pode flertar com a Sacerdotisa Ayesha (Elizabeth Debicki, que parece se divertir como vilã) mesmo sendo apaixonado por Gamora, bem como Rocket pode considerar aceitável cometer furtos. No mesmo sentido, Yondu (vivido pelo mais uma vez insatisfatório Michael Rooker) é perito em crimes patrimoniais, enquanto Drax é um verdadeiro sádico durante as lutas.

O flerte entre Peter e Ayesha serve de exemplo do subtexto sexual presente no script, reiterado na menção feita por Mantis (Pom Klementieff, ótima) da atração sexual que Peter nutre por Gamora - e presente também já no agradável prólogo com um jovem e namorador Ego, em que é utilizado um CGI de qualidade para rejuvenescer Kurt Russell (mesma técnica já usada em Robert Downey Jr.). Por sinal, o longa é quase inteiro filmado em chroma key, porém, como os efeitos digitais são de qualidade, tudo funciona de maneira excelente nesse quesito. Como planeta, Ego lembra Oz, com um esplendor de cores que garante um espetáculo no design de produção - verdade seja dita, a riqueza de cores é um atrativo especial em GdG (desde o primeiro filme). O 3D é razoável no geral, tendo como melhor momento o uso do 3D ativo na flecha de Yondu. Não é exagerado concluir que o diretor é bastante competente com o limitadíssimo texto que tem em mãos: James Gunn não tem um roteiro complexo, mas sabe que os efeitos visuais são fundamentais para extrair o máximo e agradar seu público. Como filme de herói, não falta o básico, como um spinning shot quando o grupo se une (quase idêntico ao visto no primeiro "Os Vingadores"). Como filme de ação, as sequências agitadas são empolgantes na medida coerente, isto é, não aquém nem além da proposta, vez que a veia cômica é bastante pungente, mais ainda que a ação.

Como mencionado, há uma forte veia cômica e existem piadas boas - mas também piadas horríveis, muitas delas pueris e, portanto, incoerentes com o subtexto sexual. Como qualquer ação cômica, nem todas as piadas funcionam, ao menos para quem já tem dez anos de idade já completados (para os outros, o tapete que trava e o não amadurecimento de um alimento fazem rir). Também não se pode ignorar que algumas piadas são de péssimo gosto, em especial a insistência de Drax (Dave Bautista, agora um dos melhores) na concepção (literalmente) de Peter. No geral, prevalece o nível da comédia infantiloide, como o que se dá quando uma personagem se corporifica como Pac-Man (isso mesmo) para lutar. Já quando o plot tenta adentrar em terrenos dramáticos, claramente não é essa a vocação e a ineficácia é patente, sem convencer. Todavia, quando a seriedade cabe a Nebula (Karen Gillan, desta vez mais confortável que no primeiro "volume") - ou Nebulosa, na tradução -, o nível não é ruim, apenas inferior à descontração que prepondera. Embora o saldo da direção seja positivo, Gunn deveria ter tornado os momentos introspectivos menos arrastados, pois alongá-los não garantiu maior impacto no espectador. Especificamente sobre Nebula, houve uma necessidade em dar (de alguma forma, qualquer que fosse, ainda que "manca", como no caso) mais camadas a Gamora, caso contrário, ela teria sido ainda mais esquecida pelo script. Do ponto de vista do diretor, teria sido melhor dar mais cenas a Drax e Mantis, por exemplo, que são genuinamente engraçados, e é na graça que GdG se dá melhor. De todo modo, a narrativa se enriquece subdividindo as personagens em tramas menores, algumas mais interessantes e desenvolvidas que outras. Drax e Mantis têm química perfeita; outras duplas, nem tanto.

Não obstante, o que o filme acerta em cheio, mais uma vez, é no sensacional uso da excelente trilha sonora. A sonoridade se torna quase mágica com a música "Brandy (You're a Fine Girl)", da banda Looking Glass, que toca já na primeira sequência - ignorando-se que a música é um pouco anterior ao ano indicado. Depois, a música é explicitamente conectada ao plot: no geral, o que Gunn faz é um recurso exageradamente didático, explicitando o porquê de a música ser adequada; nesse caso, contudo, é uma autêntica metalinguagem rocambolesca que faz sentido na narrativa. Ou seja, o filme enfatiza a pertinência temática da música, o que, naquele contexto e naquela cena, soa orgânico e nada forçado. Enfim, as músicas podem não ser do agrado de determinado espectador, mas seu uso é impecável.

Longo e cansativo; engraçado, porém infantil; com a participação nada especial de Stallone sendo Stallone; o segundo "volume" de GdG perde o elemento novo do primeiro e comete alguns exageros (cinco cenas pós-créditos... precisa dizer mais?). Para o público em geral, o filme diverte pelo fantástico humor de Drax e pela fofura inigualável de Baby Groot, que é, sem dúvida, um show à parte - inclusive, o plano-sequência simulado no começo do filme faz valer o ingresso; Baby Groot rouba para si os holofotes, esbanja fofura e encanta a todos. Para os fãs incondicionais, sem dúvida, uma obra-prima. Para cinéfilos criteriosos, uma obra bem feita, mas com sabor indigesto da industrialização de mais um enlatado qualquer. O pior é pensar que há quem considere enlatados melhores que bons alimentos artesanais. Não: enlatados serão sempre enlatados.

Um comentário:

  1. Eu confesso que não tenho o mínimo de vontade e nem coragem!!!!
    "Enlatados serão sempre enlatados", bem isso!!!

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