sábado, 15 de julho de 2017

Em Ritmo de Fuga -- Um dos melhores blockbusters de 2017

Já é praticamente lugar-comum na crítica de cinema afirmar que o maior problema dos filmes de ação reside no roteiro. Franquias como "Velozes e Furiosos" apostam exageradamente nas cenas de ação e esquecem que um filme precisa ter uma narrativa. Pior, esquecem também a necessidade de outros elementos, como boas atuações e boa direção. No caso de EM RITMO DE FUGA, é apenas o roteiro que deixa a desejar, pois todo o resto é muito bom.

Na trama, Baby (Ansel Elgort) é motorista de uma gangue, cuja peculiaridade é a necessidade de sempre ouvir músicas para silenciar um zumbido que escuta desde um acidente que teve na infância. É o pretexto que o filme tem para unir, com maestria, corridas de carros e trilha sonora intensa. O protagonista encontra na música um refúgio para as angústias físicas, mas também para o sofrimento psicológico, tanto de seus traumas pretéritos quanto dos problemas presentes. Baby tem uma vida ruim e a música é o que atenua essa condição - além, talvez, das corridas de carro, pois ele gosta da direção. Há uma suave incoerência logo no início: as músicas o ajudam a dirigir, auxiliando-o na concentração, porém, quando ele está a pé, quase é atropelado várias vezes. Ou seja, os fones o concentram no carro e o desconcentram fora do carro? Ou ele às vezes se deixa levar pelo som? Enfim, nada que prejudique o roteiro até então.

Participando da gangue, ainda que "apenas" como motorista, Baby conhece bandidos com perfis muito distintos. Buddy (John Hamm) é um enigmático apaixonado; Darling (Eiza Gonzalez) é a femme fatale de pouca relevância; e Griff (Jon Bernthal, o Justiceiro da série "Demolidor") é o bullie irritadiço. Jamie Foxx decepciona um pouco: em se tratando de um ator vencedor do Oscar, é frustrante vê-lo fazendo um papel cuja personalidade é tão instável. Em alguns momentos, Bats parece um psicopata que "só quer ver o circo pegar fogo" - à la Coringa -, em outros, é um racional que cobra pela atenção de Baby na reunião do grupo. A personagem pouco contribui para a trama, tornando-se, ao contrário, um pouco inconsistente. Outro grande nome no elenco é Kevin Spacey, atuando no piloto automático como Doc, o comandante da organização criminosa. Talvez Spacey tenha ficado desleixado em razão de uma reviravolta inverossímil da sua personagem, no terceiro ato.

Em termos de atuação, porém, o grande destaque é Ansel Elgort, cada vez melhor. O jovem teve o cuidado de fazer "caras e bocas" nas cenas de direção, como se estivesse concentrado ao executar as arriscadas manobras e se esforçando enquanto as executava, imprimindo realismo na cena. Elgort parece se divertir no papel, com uma linguagem corporal leve quando necessário, dançando sozinho, esbanjando alegria sempre que cabível. O carisma do ator e sua capacidade dramática já foram vistos em "A Culpa é das Estrelas", isso não é novidade, apenas repetição de um talento notório. O diferencial aqui, realmente, é um desempenho mais solto quando a cena permite. Muito diferente de Lily James, bem aquém do jovem astro. James se mostra uma atriz artificial e - o que é pior - sem timing. Isso fica claro quando Baby revela seu nome: se a atriz quisesse que a cena parecesse real, daria alguns segundos para se surpreender; mas não, responde logo em seguida com pretensa surpresa, mostrando que decorou o texto, mas não consegue interpretá-lo com naturalidade. Elgort ótimo ator; James é fraquíssima. A personagem, porém, é essencial.

O filme é escrito, mas também dirigido por Edgar Wright, responsável por "Scott Pilgrim Contra o Mundo" e "Chumbo Grosso". Certamente, é o melhor filme de Wright na direção, quesito em que "Em Ritmo de Fuga" é excelente. No primeiro ato, por exemplo, há um plano-sequência de Baby na rua que mostra a qualidade técnica da película. A construção de cenários é também muito boa, como no local onde se reúnem - o "covil" da gangue -, que tem apenas uma luz central, deixando as margens na obscuridade. A mise en scène do longa é sublime: em vários momentos, como no prólogo, Wright mescla sons extradiegéticos (mais precisamente, a trilha sonora) com intradiegéticos que o protagonista faz no carro (para-brisa se movimentando, batidas na porta etc.); outro momento que chama a atenção é quando Baby se locomove na rua, com seus movimentos correspondendo, em parte, à música, por exemplo quando um trompete aparece numa vitrine, ele simula estar tocando um trompete e ouve-se um solo de trompete na música. Em síntese, "Baby Driver" (nome original) tem muita adrenalina, muitas perseguições, é adrenalina pura, inclusive com uma montagem elaborada em cortes rápidos em razão da dificuldade de filmagem das cenas. Um filme feito para quem gosta desse combo.

Já para quem gosta de um roteiro bem elaborado, ele deixa a desejar - ironicamente, a responsabilidade, reitera-se, também é de Edgar Wright. O motivo é bastante simples: existem alguns furos de roteiro. Alguns podem ser mencionados sem incorrer em spoilers. Fica claro que Baby e Doc se conhecem há algum tempo, porém, aquele não esteve sempre no mundo do crime, sendo inserido por este. A questão é exatamente esta: como Doc inseriu Baby nisso? Há uma pista, nada mais, tornando-se superficial - só não mais superficial que o relacionamento entre Baby e Joe (CJ Jones). Esta é uma falha também bastante incômoda: os dois são muito próximos e seria interessante mostrar flashbacks disso, já que aparecem flashbacks dos pais de Baby. A identificação cinematográfica secundária que o espectador tem é por Joe ser vulnerável (idoso e deficiente), não por representar uma pessoa importante na vida do protagonista. Da mesma forma, superficial é também o romance com Debora, já que o filme prioriza em demasia a ação (e nisso, verdade seja dita, ele é extraordinário). Porém, o script tem suas falhas, como coincidências questionáveis: em uma cena, Baby precisa de um carro para fugir, quando o roteiro elabora uma detestável conveniência, surgindo um Dodge Charger vermelho e duas vítimas dentro, prontas para serem roubadas. É o tipo de facilidade que o texto cria que sugere preguiça. Sem contar o que é questionável pela própria proposta, como a dificuldade de comunicação entre Baby e Debora: a película tem um estilo visual próprio e um quê vintage, contudo, é inegável que se passa nos dias de hoje, já que existem ipods e carros modernos, o que torna estranho o fato de não existirem smartphones para facilitar a comunicação (no caso do protagonista, celular algum!). A tudo isso se une um desfecho apressado, só para não deixar o final em aberto.

Seria um crime encerrar a crítica sem mencionar a estupenda trilha sonora, que tem clássicos como Barry White, Queen e James Brown, grandes nomes da trilha sonora do cinema como Ennio Morricone e Hans Zimmer e nomes atuais como Gwen Stefani - sem contar os menos conhecidos. E muitas músicas falam com a narrativa, como é o caso de "Easy" (The Commodores), "Baby I'm Yours" (Barbara Lewis), "Debora" (T. Rex) e "Debra" (Beck). O último filme que usou tão bem esse recurso foi "Guardiões da Galáxia Vol. 2".

Enfim, EM RITMO DE FUGA tem uma ideia muito clara do que é e do que quer ser. Tem seu público-alvo certo e vai agradá-lo, com toda certeza. Em poucas palavras, é um filme de direção excelente e de roteiro deficiente, mas muito acima do nível da imensa maioria dos filmes de ação porque apenas o roteiro tem algumas falhas. Em 2017, provavelmente já é um dos melhores blockbusters.

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